"Vivemos hoje um terrorismo nutricional. As pessoas não
sabem mais o que comer", diz Sophie Deram
Sophie é francesa e brasileira e pesquisa obesidade infantil, nutrigenômica, transtornos alimentares e neurociência do comportamento.
Emagrecer sem dieta, sem cortar grupos alimentares e
"celebrando a comida sem medo e sem culpa". Parece sonho, mas é o que
defende a nutricionista. Para Sophie Deram, dietas só engordam a longo prazo
Sophie Deram não é uma nutricionista convencional. Para
começar, ela é contra dietas. Para essa francesa e brasileira, doutora em
Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da USP, dietas restritivas só
estressam o corpo e fazem o cérebro alterar o metabolismo e o apetite, fazendo
você engordar ainda mais a longo prazo. Especialista em obesidade infantil e
transtornos alimentares, Sophie, que também é chefe de cozinha, estuda
neurociência e nutrigenômica - a ciência que mostra como os alimentos
“conversam” com nossos genes. Ela defende uma forma libertadora de lidar com a
comida: o “comer consciente”, que permite ter saúde e peso estável tendo prazer
à mesa e comendo de tudo - até mesmo doces e fast food!
A senhora é uma nutricionista contra dietas?
Eu sou muito contra dieta (risos). E quanto mais eu estudo, mais fico contra.
Uma das coisas que mais assusta e estressa o cérebro é fazer uma dieta muito
restritiva. O cérebro a percebe como um grande perigo e vai desenvolver
mecanismos de adaptação. Ele vai aumentar o seu apetite, diminuir seu
metabolismo e deixar você mais obcecado por alimento.
É por isso que tantos voltam a engordar?
A curto prazo, a dieta vai funcionar. Só que o cérebro vai desenvolver
mecanismos de adaptação, vai ‘ligar’ os genes do apetite e do armazenamento de
gordura. A ciência mostra que 90% a 95% das pessoas que fazem uma dieta muito
restritiva voltam a engordar, não só tudo de novo, mas ainda mais. Pelo menos
30% de quem faz dieta engorda mais do que perdeu com ela. O interessante é que,
depois de uma dieta, o apetite de uma pessoa aumenta por até um ano após ela
ter voltado a comer normalmente. E o risco de desenvolver compulsão é até 18
vezes maior depois de uma dieta restritiva. Os maiores transtornos alimentares
(como bulimia e anorexia) que a gente trata começaram com uma dieta.
Então, qual a solução?
Primeiro, não enxergar o peso como a causa do problema, para não trabalhar só
sobre a consequência. É preciso entender porque você engordou. Pode ser
emocional, por fazer dieta, por comer de maneira não muito saudável, pode ser
um medicamento que você está tomando ou uma fase de vida – a menopausa e
pré-menopausa, por exemplo, são momentos muito sensíveis para a mulher.
O que é o “terrorismo nutricional” que a senhora afirma que vivemos?
Hoje estamos focando no alimento de um jeito muito simplificado: ou o alimento
é bom ou é ruim. Esse engorda e aquele emagrece. Não existe isso. Nenhum
alimento por si só vai fazer engordar ou emagrecer. Quando você só foca nas
calorias e nos alimentos, você esquece de escutar o seu corpo. Você não responde
mais à fome ou à saciedade. Você só responde com terrorismo ao que você está
comendo. Comer vira uma coisa estressante. E uma culpa.
Dá para acabar com essa culpa?
Uma das coisas que eu trabalho muito no consultório é recuperar a sensação de
fome e saciedade e o comer sem culpa. Nosso corpo é totalmente habituado a todo
tipo de alimento. Claro que algumas pessoas têm problemas ou alergias, e isso
tem que ser tratado. Mas colocar uma população inteira sem açúcar, sem glúten
ou sem lactose é uma loucura! O terrorismo é esse: cada vez mais as pessoas não
sabem o que comer. Acham que controlando o que elas estão comendo vão
emagrecer. Na verdade, estão cada vez mais estressadas e com maior risco de
ganho de peso.
Mas há dietas restritivas famosas que cortam glúten ou proteína e dão certo.
Também não são recomendadas?
Para uma pessoa que tem doença celíaca, eu vou recomendar uma dieta sem glúten.
Mas para uma pessoa que está bem, só porque ela quer perder peso, isso afeta
muito a sua relação com os alimentos. Vira um inferno. Tirar o glúten é uma
coisa muito difícil, muito estressante. Claro que a pessoa vai perder peso, e é
por isso que está na moda. Só que, infelizmente, isso só aumenta aquele
terrorismo nutricional. Em geral, cortar um grupo alimentar não é adequado.
Somos onívoros, ou seja, animais que comem de tudo. Quando você corta um grupo
alimentar, você assusta o seu corpo. Ele vai desenvolver adaptações que podem
fazer você engodar mais a longo prazo.
Por que é tão importante acabar com essa culpa ao comer?
Quando você está com muita culpa, sofrendo muito terrorismo nutricional, você
pode engordar, porque está estressado, em desequilíbrio diante da alimentação.
Isso pode afetar o cérebro e “ligar” genes que vão fazer você engordar mais.
Mas é bom lembrar que tem obesos que comem superbem. É bom não fazer discriminação.
Pode ser um estresse na vida que aciona um mecanismo de proteção. A gordura era
uma proteção contra a falta de alimentos e o nosso cérebro ainda pensa assim.
Se você estressa muito o seu corpo, se fica sem comer, se corta carboidrato,
ele reage aumentando a produção de gordura. Quando você está comendo com
prazer, sem culpa, você come menos porque vai ficar satisfeito e não engole a
comida. E também vai ter uma digestão diferente do que se comer com rapidez,
com culpa, com estresse.
A senhora é contra os produtos light e diet?
Não sou contra. O que eu acho importante é mostrar que eles não são
necessariamente interessantes para emagrecer. Para fazer produtos light e diet,
a indústria fez uma troca. Tiraram parte da gordura, o que deixa ele sem gosto,
e colocaram carboidratos. Açúcar, amido modificado, xarope de açúcar, todos
esses carboidratos, dão bastante prazer no cérebro. A gordura tem 9 calorias
por grama, mas o açúcar só 4. Então, o produto fica com menos calorias, mas não
necessariamente mais interessante do ponto de vista da saciedade. E também pode
ter um efeito diferente no metabolismo.
Então seria melhor comer algo que você goste em porções menores?
Na dúvida, o é melhor pegar o alimento mais ‘in natura’ possível. Não estou
dizendo orgânico, estou dizendo mais natural. Em vez de comer o iogurte light
ou diet de morando, por exemplo, a opção que eu acho mais saudável seria o
iogurte natural junto com o morango e um pouquinho de açúcar. É um alimento
mais verdadeiro.
Mas como, então, emagrecer?
Primeiro, é preciso ter excesso de peso e nem todo mundo tem. Pessoas que estão
com peso saudável e que querem emagrecer mais vão assustar o corpo. Essa
preocupação de emagrecer é muito exagerada hoje. As pessoas estão muito focadas
nisso. É “bom dia, você emagreceu” ou “você engordou”. Antes se falava do
tempo! Uma pena. Mas uma pessoa que tem sobrepeso precisa saber que não há uma
solução só. As dietas hoje dão a mesma solução para todo mundo. Isso não dá
certo. Cada um tem um metabolismo, uma história, uma razão diferente para o
sobrepeso. Mas uma dica interessante é essa: comer mais alimentos
verdadeiros.
Ou seja, menos industrializado.
Isso, menos industrializados. E não estou dizendo que sou contra alimentos
industrializados. Sou engenheira agrônoma, trabalhei em indústria, e acho que
eles ajudam muito no dia a dia. Mas, quando puder, cozinhe, prepare o prato em
casa, coma alimentos que vêm da natureza e tente evitar essa preocupação de
dieta. Isso está fazendo com que ninguém coma junto. Sei de pessoas que levam
marmita para eventos sociais. A gente está cada vez mais com esse terrorismo da
nutrição. Se você volta a comer alimentos verdadeiros, para os quais a gente
foi adaptado, você não deveria ter essa preocupação de calorias, de engordar. O
que você deveria ter é uma consciência maior de como está se sentindo. Estou
com fome? Vou comer. Estou sem fome? Vou parar de comer! Alguém que está
respondendo bem a essas perguntas chega a um peso saudável. É o que em inglês
se chama “mindful eating”, o comer consciente. É um bom jeito de emagrecer de
maneira suave e para a vida inteira.
O comportamento alimentar é tão importante quanto o que se come?
O “mindful eating” é totalmente isso. Pesquisas com crianças mostram que se
você cuidar mais do ambiente, sem falar do que ela está comendo, ela vai ter
menos risco de engordar. Não é só o que você come. É também como você está
comendo. Ter um comportamento adequado à fome é comer de maneira consciente. E
se, ainda, você consegue comer com prazer e sem culpa, você será supersaudável.
E comer com prazer não é comer com gula. É diferente. Não é liberar tudo. É
comer devagar, o alimento que você gosta, saboreando e sem estresse.
Comer fora é mais difícil...
Na rua, a tentação é grande. Então também temos que comer devagar para perceber
quando estamos satisfeitos. E quando isso acontecer antes do fim do prato, não
precisa comer a porção inteira. Escute o corpo. Não é só porque está pagando um
preço fixo, numa churrascaria, que você tem que se entupir de comida. Aproveite
o momento com os amigos, converse, sinta o alimento. Não existe nenhum alimento
ruim. O que existe são alimentos mais interessantes do que outros.
Hoje, muita gente se diz viciada em doces e fast food. Como elas podem comer
de forma mais saudável?
Primeiro, se conscientizar de que esse vício é real. Esses alimentos focam no
nosso cérebro e podem viciar mesmo. Mas é possível mudar. Não fazendo dieta
restritiva. O que eu aconselho é incluir, cada vez mais, alimentos verdadeiros.
Eu nunca retiro alimentos de ninguém porque isso é muito frustrante. O que
trabalho é uma atitude positiva. Pode comer de tudo, mas inclua mais legumes,
mais arroz, mais feijão. Tome mais água, evite o excesso de bebidas doces,
tanto refrigerantes quanto sucos. E aí a pessoa, sozinha, consegue se livrar
desse vício. Tenho pacientes adolescentes que saíram da obesidade sem deixar de
ir ao Mc Donald’s com os amigos. Isso faz parte da vida do adolescente. É um
erro tirar isso dele. Mas quando você inclui os alimentos verdadeiros,
automaticamente, você vai comer menos dos outros.